quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

O estranho dia em que me vi apaixonado por uma mulher sem rosto





Eu havia acabado de sair do trabalho. Fim de expediente. No momento em que fechava a porta, ela passou. Tive exatamente três segundos e meio para virar e vê-la de frente. Exatamente o tempo que precisei para me distrair, procurar as chaves do carro no bolso, e lembrar que vim trabalhar de ônibus. Já era a quinta vez, só neste mês, que o Chevette 1989 visitava a oficina do Wellington. Tá foda.

Ela passou. Eu meio que hipnotizado, segui. Era estranho como as costas daquela mulher me fascinavam. Acho que era o mistério. O suspense de não ver seu rosto. Existe algo de atraente, de sedutor, de erótico, nas incertezas. O desconhecido fascina, consome. Não conseguia parar de olhar para as suas costas, suas formas, suas curvas, pernas, cabelo e bunda. Não sou um "típico brasileiro". Não gosto de futebol, evito praias, feijoadas me dão azia e prefiro peitos e barrigas. Isso não quer dizer que eu não goste de bundas, só demonstra que elas não estão no topo das minhas atrações sexuais. Mas a bunda daquela mulher de cabelos negros parecia um pêndulo. Cada balançar me deixava mais hipnotizado.

Tive vontade de apressar os passos, passar dela e, disfarçadamente, olhar para trás, para então saber como era seu rosto. Mas desisti. Eu estava gostando daquele mistério todo, e, sem perceber, eu também já havia formado um rosto na minha mente. Não saberia descrevê-lo. Só sei que era lindo. De uma beleza sutil. Nada de lábios carnudos, nem olhos sedutores. Na minha cabeça ela era sutilmente linda.

Continuei seguindo-a, e até esqueci que o caminho do ponto de ônibus era para o outro lado. Não tem problema. Ando um pouco acima do peso. Vou a pé.

Em um dado momento comecei a perceber que as pessoas me olhavam estranho. Acho que ela também percebeu a minha presença. E estranhou. Apressou os passos. Acho que tava com medo. Não sabia se mudava a minha rota, deixava-a de lado e voltava para a minha vida normal, ou se avançava, pedia desculpas e esperava para ver qual seria a reação dela.

Resolvi então não reagir e continuei andando e observando-a. Quase vi seu rosto umas duas ou três vezes, mas sempre passava um carro ou alguém me pedia uma informação, desviando meu foco e minha percepção. Mas ela permanecia com seu rosto em minha mente. Num desses desvios de foco, após alguém me perguntar as horas, observei como seu cabelo dançava ao vento enquanto ela atravessava a rua. Era uma mistura de balé clássico com dança contemporânea. Não entendo nada de dança e nem saberia dizer a diferença de um estilo para o outro, mas acho que são bem diferentes, e é mais ou menos essa ideia que eu quero passar. Seu cabelo fazia uma coreografia que parecia ter sido espontaneamente ensaiada. Sorri de lado com a imbecilidade de meus pensamentos.

Ouvi algo como uma corneta. Um barulho crescente. Senti meu quadril doer. Doía muito. Ouvi alguns gritos e muita gente pedindo para que eu não me mexesse. Havia muitos rostos. Eram todos vultos embaçados e disformes. No meio daquelas manchas indefinidas, consegui perceber apenas um rosto. Justamente aquele que eu nunca vi. Reconheci suas formas, seu cabelo... Não tenho certeza, mas acho que sorri no exato momento em que ela me olhou e disse que tudo ficaria bem.

E quando meus olhos começaram a focar seus traços. Quando comecei a ver sua boca, seus olhos e seu nariz... Quando tudo começou a querer tomar forma, tive medo. Temi que tudo tivesse sido em vão. Temi conhecer uma outra mulher, diferente da que eu havia acompanhado, idealizado e sonhado por longos quinze minutos de caminhada. Então num ato de extrema covardia, fechei meus olhos. Fechei meus olhos e levei comigo a face da única mulher sem rosto pela qual me apaixonei. E era linda. Eu sei que era. Eu sei.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Dicas de sobrevivência: Precisa-se


                "ImpressãoNascer do Sol", Monet, 1872


Na vida, é preciso ter coragem pra assumir que se é covarde.
É preciso abrir bem os olhos para perceber que estamos cegos.
É preciso chorar para que saibamos quão gostosa é a alegria.
É preciso sentir o ódio mais profundo para que possamos entender do amor.
É preciso calar a boca para que o silêncio ganhe voz na argumentação.
É preciso parar, para que o tempo possa correr.
Na vida é preciso viver, para que a cada dia, de uma forma linda e saborosa, possamos morrer mais um pouco.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

A bem vinda



- Quanto tempo faz que a gente não se vê?

Foi assim que ela, assustadora-encantadora-surpreendente-mente, me abordou. Eu estava ali sentado na praça, pensando no que fazer da vida. Acabara de pedir demissão, não suportava aquele emprego medíocre de merda. Estava liso e todas as minhas economias foram embora na compra de um apartamento de 40 m², dividido em 432 parcelas, e que o banco havia dito que eu não tinha condições de pagar. Perdi o dinheiro, a moral, e o resto de orgulho que ainda corria nas veias salientes do braço direito. E agora eu tinha acabado de perder a minha fonte de renda.

- Desculpe, moça, mas acredito que nos nunca nos vimos antes. – Se eu já tivesse visto aqueles olhos, aquela boca, aquela... mulher antes eu certamente saberia. – Não que eu não quisesse, é claro! – Isso soou ridiculamente cafona e desesperado.

- É uma pena que você não se lembre. Eu posso ter mudado um pouco desde a última vez. Mas continuo a mesma.

Há muito tempo eu não ficava bêbado ao ponto de não me lembrar de nada. Drogas? Desde que fui pai e comecei a trabalhar que nem cigarro eu fumo. Só café. Como pode eu não me lembrar dessa mulher? Será que estou ficando com Alzheimer? Mas nem cheguei aos 30!

- Moça, talvez se você me disser o seu nome eu possa me lembrar com mais facilidade.

Ela olhou de um jeito sedutor e disse:

- Não. Você deve ser capaz de se lembrar sozinho.

Puta que pariu! Só pode ser garota de programa. Mas isso eu descubro agora!

- Você poderia descrever algum momento, alguma situação em que nos encontramos, passamos juntos, ou nos vimos?

Ela ficou pensativa. Olhou pra cima. Pôs o dedo na boca. Riu de lado. Disse:

- Quando éramos criança ... – CRIANÇA? Então puta não é. Puta nunca foi criança. Deve ter sido alguma vizinha - ...você escreveu uma cartinha para aquela menina que estudava com você. Ela leu, veio falar contigo, e te deu um beijo. Lembra?

Era ela. Tá explicado. Mas ela está bem diferente. A... (como era o nome mesmo?) ... Camila (ou Carol) era ruiva, e essa linda mulher que está na minha frente é naturalmente loira. Será que os cabelos mudam de cor assim?

- Então você é a Camila... ou seria Carol?

- Não. Eu só estava com você quando você recebeu aquele beijo.

Meu Deus! Quem é essa? Devemos ter estudado na mesma escola.

- Não me lembro de estar com ninguém nesse dia.

- Vou te dar mais algumas chances. Quando você ficou com a Patrícia, naquela festa na casa do Mateus, eu estava lá. Quando você começou a namorar a Luana eu também estava lá. Até quando você passou no vestibular para jornalismo eu estava com você.

Eu só posso estar muito doente. Não me lembro dessa linda mulher em nenhum desses momentos da minha vida. Só pode ser alguma brincadeira do pessoal do trabalho.

- Ok. Já entendi tudo. Foi o pessoal da empresa que mandou você aqui pra tentar me animar, não foi? Pode falar a verdade. Aposto que o Tiago está por trás disso. PODEM APARECER, PESSOAL. JÁ SAQUEI TUDO! – Gritei para o nada.

Ela riu de maneira sutil, marcante e sincera.

- A última vez que nos vimos você tinha acabado de ser pai. Depois o tempo foi passando e os nossos encontros passaram a ser cada vez mais raros. Até que simplesmente eu sumi da sua vida. – Ela falava de um jeito sutil, nostálgico e triste.

- Me desculpe. Me desculpe mesmo. Estou me sentindo péssimo por não conseguir me lembrar de uma mulher tão linda como você. E você fez parte de todos os momentos mais marcantes da minha vida...

Nesse momento ela se levantou. Seu vestido era lindo e azul. Suas pernas, seu corpo, seu rosto, sou sorriso, seu olhar, seu cabelo... Tudo era perfeitamente lindo. Lindo demais para ser uma mulher de verdade.

- Eu sei o quanto aquele trabalho te fazia infeliz e soube que você havia pedido demissão. Passei só pra te dar um “oi” e... – Ela se inclinou em minha direção. Seus lábios pareciam gritar por mim. Meu Deus, que mulher é essa. Ela me beijou. Beijamos-nos. - ...te dar esse beijo. Espero de agora em diante poder te ver mais vezes.

Ela saiu. Foi embora. Sumiu. Eu não conseguia me mexer. Nada daquilo parecia ser real...

- LEMBREI! Agora eu sei quem era aquela mulher. Meu Deus, há tempos que eu não a via. Ela está mais linda e sedutora que nunca.

Corri desesperado em todas as direções atrás daquela mulher. Não podia deixar que ela partisse assim novamente. Infelizmente não consegui encontrá-la, mas agora sei que ela não me deixou. Ela nunca me deixou.

Aquela que já fora uma linda menininha que brincava comigo no parquinho do colégio, uma garota atraente que me acompanhava nas festas da faculdade, hoje é uma mulher linda, sedutora, de vestido azul e que me beijou a boca.

Seja bem vinda de volta, Felicidade, e beije-me sempre que quiser!

terça-feira, 26 de abril de 2011

__________________Há__________________



Amar só enquanto há mar.
Amar só, enquanto amar.
Amar, só enquanto há mar.
Há mar, só enquanto amar.
Há mar e Sol, enquanto amar.
Há mar, há Sol ,há eu, há môr.


terça-feira, 12 de abril de 2011

quarta-feira, 6 de abril de 2011

A saideira

Quem é que grita de dor? Para quem são as tristezas? Quem é que vive brigando e se queixando? Quem é que tem os olhos vermelhos e ferimentos que podiam ter sido evitados?

É aquele que bebe demais e anda procurando bebidas misturadas. Não fique olhando para o vinho que brilha no copo, com a sua cor vermelha, e desce suavemente, pois no fim ele morde como uma cobra venenosa. Você verá coisas esquisitas e falará tolices. Você se sentirá como se estivesse no meio do mar, enjoado, balançando no alto do mastro de um navio. Então você dirá: "Alguém deve ter batido em mim; acho que levei uma surra, mas não me lembro. Por que não consigo levantar? Preciso de mais um gole."

(Texto retirado do livro Provérbios Edição Nova Linguagem de Hoje, capítulo: 23, do versículos 29 ao 35, e impresso num folhetinho que recebi andando na rua)

quinta-feira, 3 de março de 2011

Bolsa Fone – Ou sobre a capacidade de ser feliz num ônibus lotado em horário de pico


Lê-se no adesivo: "Doa-se fone de ouvido - Você escuta música com o alto falante do celular? Eu posso te ajudar!


Não há como ser feliz num ônibus lotado em horário de pico. Não importa sua religião, filosofia de vida, ou qual livro de autoajuda você está lendo no momento. Não há como ser feliz num ônibus lotado em horário de pico. O inferno tem hora marcada. Das 6h às 8h, das 12h às 14h, e das 18h às 19h. Duas senhoras começam a brigar. Uma reclama da outra que a outra empurrou. No ônibus em que 78 pessoas estão sentadas, 95 em pé, 26 penduradas, e três no colo do motorista, a coisa mais difícil do mundo é saber quem empurrou quem. Uma diz que a mulher tem bunda grande. A mesma agradece e xinga a outra que “não tem”. Nesse bate-boca uma criança começa a chorar. A mãe, aparentemente uma marinheira de primeira viagem, dá chupeta, balança, empurra uma mamadeira, brinquedo, canta, até que enfia o peito na goela do menino. Silêncio. Nesse comboio do inferno, o cobrador, de parada em parada, faz uma participação especial mandando todo mundo afastar pra dar mais espaço e caber mais passageiros. Entre os dentes, ele manda também – de todo o coração - cada um tomar no seu devido lugar. As senhoras idosas, com mais de 60 anos, também aparecem de parada em parada, gritando o mais alto que podem e reclamando das pessoas que não cedem seus lugares. Principalmente um grupo de estudantes de Ensino Médio de alguma escola particular, onde os pais pagam uma mensalidade na faixa de R$ 500 para os filhos passarem no vestibular. Educação não está incluso, isso já é assunto pra outros 500. Sinal vermelho. Ônibus parado. Uma pessoa passa, do lado de fora do ônibus, entregando folhetos de uma loja de eletroeletrônicos pela janela. Celulares que tiram foto, telefonam, e tocam mp3. Agora sim o inferno começa a esquentar. Provavelmente foi num desses folhetos de lojas de eletroeletrônicos, que o sujeito moreno, sentado, encostado na janela, camiseta regata, boné colorido, comprou seu telefone bacana dividido em 12 parcelas iguais de R$ 49,92 sem juros no cartão da loja. Sem se preocupar com a situação caótica em que ônibus se encontra – e por que não dizer em que o mundo se encontra – o sujeito pega seu celular, clica no menu, seleciona a opção “Player/Tocador de mp3”, e executa seu arsenal de “músicas legais” e “hits de carnaval” – também encontrado na versão “hits de vaquejada” – no volume mais alto do seu aparelho de telefonia móvel, ignorando completamente a maravilhosa e revolucionária invenção dos fones de ouvido. O projeto para erradicação da pobreza, presente no atual governo do Brasil, foi denominado Bolsa Família. Eu acredito que toda pessoa precisa ser feliz. E é por isso que eu digo que não há como ser feliz num ônibus lotado em horário de pico, e com um sujeito escutando músicas em seu celular sem a utilização de um fone de ouvido. Talvez ele tenha que alimentar a família, pagar o aluguel, conta de água, luz, passagens. Tento encontrar alguma explicação, por mais absurda que possa parecer, para justificar a não aquisição de fones de ouvido por parte desses senhores. Assim como o Bolsa Família tem feito algumas famílias mais feliz, acredito que um Bolsa Fone faria muito mais. Um financiamento, por parte de Governo Federal, para aquisição de um fone de ouvido para cada portador de celular com tocador de mp3, seria uma iniciativa que faria o cotidiano, o dia-a-dia, a vida, o Universo, mais feliz. Os ônibus continuariam lotados, as pessoas continuariam se empurrando, as mulheres de bunda grande continuariam com seus glúteos avantajados, as crianças continuariam chorando, o cobrador continuaria mandando o pessoal tomar nos seus devidos lugares, as senhoras continuariam reclamando da falta de educação dos estudantes de Ensino Médio da escola particular que por R$ 500 faz seu filho passar no vestibular. Tudo continuaria da mesma forma. Com exceção do rapaz, que estaria contente por poder escutar suas “belas” músicas em paz. Entendo que seja difícil não poder compartilhar seu gosto musical com outras pessoas presente no mesmo transporte coletivo, e que possivelmente estejam interessadas nas mesmas músicas. Mas garanto que ele poderá descobrir como é fascinante a tecnologia extraordinária de um fone de ouvido, e só assim eu poderia reescrever todo esse texto falando da possibilidade de um cidadão ser feliz ao pegar um ônibus lotado em horário de pico.